quarta-feira

T 2009 T

não é auto-comiseração, não. é uma dor funda no peito.
sente-se amputada. é como se o membro ausente fizesse um vazio grande.
todos os dias dorme muito, menos do que o necessário. e tem pesadelos, de contornos nítidos. todos a fazê-la acordar num sufoco: o que significam? um tecto que se infiltra e a submerge. um naufrágio na costa de uma ilha escarpada; roubo de haveres que não tem. pessoas, muitas pessoas a dar ordens.a deambulação sob o temporal, por ruas que não conhece. uma casa em ruínas e tudo escuro. trapos que cobrem um corpo seu estranho. ela nunca se perde nas histórias dos pesadelos nocturnos, mas tenta em vão respirar um mínimo, apesar da corda à volta do pescoço.

e depois, o buraco no lado esquerdo - onde lhe falha tudo. um precipício agudo sem tamanho, um medo rasgado, o sofrimento parceiro.
depois acorda. e aí o pesadelo torna-se maior. a realidade é mais cinzenta. não há contemplações para a perda. foi amputada e não a avisaram de nada.
apercebe-se que teve uma parte amputada de sopetão. e nesse instante perdeu a única parte que prezava mais que tudo.
falha-lhe a única parcela de vida com gosto, o que era vontade e não consequência.
não interessa se perdeu o trabalho, se tem saúde, ou uma doença fatal.
é aquela perda, que não suporta. não entende o valor da falta que lhe faz dor.
limita-se a sobreviver ao pesadelo acordado por uma ausência insuperável.
queria dormir até não acordar mais, ou ser acordada por um toque na porta e a figura perdida, à procura de uma sobrevivente... alguém que dissesse que sim, foi só uma vaga de mau tempo, passou.
nada disso sucede. nada suprime a amputação esquerda. e tem a cicatriz no pulso dos dias em que a pele queimou.
tenta em vão apagar os vestígios digitais da perda. não consegue. fixa-se neles e aparvalha.
ela só queria acordar noutro corpo, no próximo ano. e deixar a alma perdida neste.

segunda-feira

o homem que não queria despedir-se do ano velho

um viajante intrépido esperou pelas 23h00 de dia 31 de dezembro na nova zelândia e atirou-se ao mar. nadou velozmente alheio às correntes, às vagas de ondulação ou ao gélido humor das águas. braços e pernas, respiração e intuição, dispensavam gps. seguiu adiante, alucinado, esbracejando de forma compassada e batendo as pernas num vigor nunca visto. o homem não parecia humano. acabou por chegar no mesmo dia, à mesma hora, à terra do fim do mundo.

domingo

creio, logo rebelo-me

há poucas coisas sagradas na vida, para além da vida. e nada é inevitável, se for de raiz humana. a verdadeira rebeldia parte destes pressupostos: a recusa de dogmas, a negação de vontades divinas, a contestação da fatalidade das escolhas. tudo mais é passível de uma boa conversa.

sábado

do nada, questiono

porque é que um pesadelo leva mais tempo a destruir que um sonho a construir? ...e, mesmo assim, há mais agentes do pesadelo que activistas do sonho?

quinta-feira

da família

família não são os laços de sangue 'porque sim'. família é uma condição de afectos, correntes de conforto. criar, cuidar, amar.
há pessoas que nessa condição me vitalizam: a ana, simply the best, guardiã do caminho. lúcia, lanterna que indicou o sentido. salomé, albergue nos piores dias e desafio para os melhores. helena, que entende o desalinho e domina as coordenadas das noites. marisa no indizível de sempre. madalena, um check-in ao quotidiano. graça e o seu desarmante non-sense. tati, contacto para que a viagem prossiga. f., uma atenção sem feedback. andré, gonçalo e tiago, companheiros que me divertem. o mimo de d. e m., maduras reservas e espaço de cuidados. e as miúdas - a.c. e m.c.-, com sorrisos que me comovem e preenchem de sentido.
sou grata a estas gentes, o melhor dos tempos que estão a mudar.
e sorrisos.

quarta-feira

da pena

ter pena é talvez o mais desagradável sentimento.
pena tenho das galinhas que cacarejam e se debicam, ignorando que lhes vão cortar o pescoço.
pena tenho daquelas pessoas a quem nada podemos fazer para melhorar a sua existência, por mais que nos empenhemos.

terça-feira

solidãoriedade

a vantagem de ter poucos amigos é que eles/as nunca deixam de o ser. damos e recebemos de coração aberto. doseamos mentiras piedosas para não magoar com frontalidade em alta voz. e somos grat@s. sobra espaço para observar o mundo e tempo para conhecer as pessoas.

segunda-feira

o rei do mundo

o medo encontrou-se com o servo da justiça e perguntou-lhe o que queria.
não levas nada de mim, desaparece.
o servo da justiça respondeu que só reclamava o que lhe era devido.
o medo entrou em pánico e desatou a estrebuchar sem sentido.
a justiça lembrou que mesmo um vadio merece a mais elementar boa educação, apenas um pingo de atenção. e não era o caso.
o medo espalhafatou de telefone em riste: acudam-me, que fui apanhado em falso. e bato o pé, bato o pé, porque sim. e eu é que sou o rei do mundo!


e é verdade: o medo é o rei do mundo, tem a consciência pesada e as digestões difíceis. alimenta-se da culpa - real ou imaginada - e tolhe-se se alguém não desvia o olhar. o medo comanda a vida sem sentido.
no meio desse exército de seres aloucados, perder presumíveis amigos é uma benção.
mesmo quando não se faz a justiça toda, alguma coragem, bastante discernimento e q.b. de bom senso pode fazer alguma. para os crédulos, há sempre a justiça dos homens. e o universo encarrega-se do resto.

sexta-feira

o natal sai do armário

do facebook* directamente para a blogosfera, uma versão gay&friendly do conto de natal...

Conto de Natal de Javier Sáez

José era carpintero, judío y gay. Haciendo uso de sus conocimientos, se había fabricado un gran armario en Belén, en elque vivía con su amiga María, al abrigo de la persecución homófoba que había desatado el imperio romano contra los homosexuales y los judíos de Jerusalén. María no había conocido varón, era lesbiana, y había decidido tener un hijo por inseminación artificial con el esperma de su mejor amigo, José. Ahora se encontraba a punto de dar a luz en el armario de Belén. La noticia corrió por el ambiente y llegó hasta los rincones más alejados de Oriente.


En el Kurdistán vivía el antiguo rey Melchor, que había sido destronado por los turcos cuando invadieron el país. Melchor tenía 50 años, llevaba una larga barba blanca que cubría un torso ancholleno de vello que hacía las delicias de los pastorcillos kurdos. Había conocido a José en el cuarto oscuro de un bar de Ereván, la capital de Armenia, y sabía que él y su amiga María esperaban un niño, así que decidió ir a verles para celebrar con ellos el alumbramiento. Se montóen su camello con algunos regalos -una chupa de cuero para María, una botella de popper de Kazajstán para José y la última edición en pergamino del Planeta Marica- y se encaminó hacia Belén.
Al llegar a un oasis en el desierto de Palestina Melchor hizo una parada para ir amear junto a una palmera, y en ese momento se encontró con un hombre de hermosos bigotes, ya entrado en años, que estaba meando a su lado y quele miraba insistentemente. Melchor le invitó a pasar la noche con él en su tienda. Durante la cena el hombre le explicó que se llamaba Gaspar, era palestino y había sido rey. Casualmente también conocía a José y la noticia del parto, y en ese momento se encaminaba a Belén para conoceral niño y darles algunos presentes: opio iraní de la mejor calidad para ella y telas de Palestina para él. Melchor y Gaspar pasaron una apasionada noche de amor en el oasis, y decidieron ir juntos a Belén.

A los pocos días Melchor y Gaspar llegaron a Jerusalén, y decidieron ir a una sauna a descansar. En esos días de invierno la sauna era muy visitada, pues era un lugar cálido y tranquilo donde charlar y disfrutar. Melchor y Gaspar repararon inmediatamente en un hombre grande, de piel muy oscura y barriga peluda, que les fascinó de inmediato. Se acercaron a él con ánimo deconocerle, y les dijo que se llamaba Baltasar, era uzbeko, rey de una tribu del norte de Afganistán, y había huido de la represión que habían desatado allí la secta de los tulipanes contra las mujeres y los gays. Decidió dirigirse a Belén a ver a su amiga María, de la que sabía que estaba encinta, y le llevaba como regalo tres caballos árabes y undisfraz de drag-king. Entre los tres cundió un gran regocijo al descubrir la casualidad de conocer a José y María, y lo celebraron pasando la noche juntos.

Eran aquellos los días del rey Heterodes, quien gobernaba toda Judea con una gran homofobia. Un espía del rey había oído la conversación sobre María en la sauna, y se lo comunicó a Heterodes. Éste no podía soportar la idea de que una mujer lesbiana tuviera un hijo, así que decidió urdir un plan para matarle. Hizo llamar en secreto a Melchor, Gaspar y Baltasar y les interrogó sobre el nacimiento del niño, con la excusa de que quería ir él también a adorarle. Así que les pidió que una vez que le hubieran visto, volvieran para decirle el lugar de su nacimiento. Los Reyes Magos conocían la fama de Heterodes y, desconfiando de sus intenciones, partieron hacia Belén sobre sus camellos sin decirle su destino. La noche siguiente hicieron un alto para dormir en la montaña y vieron en el cielo una luz muy brillante que se acercaba hacia ellos. Era un gran trineo tirado por renos alados, y guiado porun hombre grueso, con hermosos cabellos y barbas del color de los osos polares, vestido de terciopelo de color rojo. El hombre descendió desde el cielo hasta donde estaban los tres reyes y les miró, admirando la belleza de sus cuerpos y de sus rostros. Se llamaba Santa Claus, o Papá Noel, y pertenecía a una ONG finlandesa de gays y lesbianas. Los reyes se fijaron de inmediato en el paquete de Papá Noel, y le preguntaron sobre su contenido. Él les contestó que había oído la buena nueva del nacimiento del hijo de María, a la que conocía, y que en el paquete llevaba las obras completas de Tom de Finlandia y de Monique Wittig como regalo. Los Reyes Magos encendieron una hoguera e invitaron a Santa Claus a quedarse con ellos a cenar. Éste aceptó, y, tras la cena, les invitó a degustar distintos licores lapones que llevaba en sutrineo. Los vapores etílicos calentaron sus cuerpos y les animaron al baile y al canto, y finalmente al amor.

Al día siguiente Papá Noel y los tres reyes se encaminaron a Belén. En el camino vieron a un grupo de cuatro pastorcillas que iban en su misma dirección, y que resultaron ser amigas de María. Iban también a verla por el nacimiento de su hijo, y le llevaban un carro como presente, dado que, según comentaron las pastoras, a María le gustaba mucho conducir todo tipo de vehículos. Ya al anochecer divisaron en el fondo de un valle la silueta de un gran armario, en el que estaban José, María y el niño, al que llamaron Emmanuelle, en homenaje a una famosa actriz de teatro asiria. María estaba apostada en la puerta del armario, de pie, con su cayado en la mano derecha, vestida con pantalones de piel y una pelliza de borrego; José, que cubría su cuerpo con una túnica de color verde oliva, estaba sentado dentro y llevaba en sus brazos a Emmanuelle, al que cantaba canciones de cuna con su voz grave y dulce, mientras el niño jugaba enredando sus pequeños dedos en las barbas negras del carpintero.Cuando María vio llegar a tantos amigos juntos, tiró el bastón al aire y fue a su encuentro riendo. Los reyes magos fueron a buscar a José y le animaron a salir del armario. Éste, sorprendido por la visita, dio un grito de alegría y salió al aire libre con el niño para abrazar a sus viejos amigos. María propuso hacer una fiesta y disfrutar de los regalos. Pasaron la noche comiendo y bebiendo, Papá Noel recitó las viejas sagas islandesas con la voz adormecida por el opio, Baltasar bailó en honor de todos danzas de su tierra, rodeando al grupo con un círculo hecho con las telas de Gaspar, María cantaba poemas de Safo subida en uno de los caballos, mientras las pastoras, desde el carro, tocaban instrumentos de cuerda y percusión al ritmo de sus versos. Melchor y José mezclaban todo tipo de bebidas con abrazos, besos y recuerdos. Emmanuelle miraba, fascinado, las altas llamaradas de fuego que se elevaban desde el armario hasta la luna.

* gracias a P.

quinta-feira

«If I had something bad happen to me, then I needed to write so it would get better. But then when for a while bad things stopped happening, I didn't have anything to write.»

Entrevista a Diana Athill, 91 anos, editora de autores como Philip Roth, Jean Rhys, VS Naipaul, Brian Moore ou John Updike. [da revista Ler]

segunda-feira

o efeito do tailleur


desde lauren bacall que o tailleur me encanta. prefiro os pretos. com eles, como dizia a ivone silva dos vestidos, 'nunca me comprometo'. o preto dá bem com os humores todos e sobressai na confusão dos cegos pela moda. também tenho um fraco por camisas brancas, confesso. posso apanhar a roupa da corda com uma camisa branca, inclusive de tailleur e saltos, mas já o branco da farpela, numa discoteca, encandeia-me a vista. e é o bom-senso das copinchas, sempre impecáveis de negro, que me guiam na multidão.
dizia eu, então, que desde os filmes negros, maravilho-me num tailleur. o que eu mal percebera é que o mesmo efeito se espalha na vizinhança. hoje foi mesmo assim, formato executiva: tailleur preto e camisa branca. cansadérrima chego ao escritório, e recebo um "..mas que gira que estás hoje!" - mesmo vindo de uma colega que não é da 'equipa', a exclamação arrebitou-me para os outros afazeres.
pode estar-se sem ânimo para ripostar um piropo, andar com a moral em baixo, sofrer de dores várias, mas a verdade é que um tailleur preto eleva a precisão do olhar...



domingo

da sinceridade relacional

longe é um lugar que não existe. a frase não é minha. basta andar por aí e apanhar ideias destas nas paredes, em cartazes, em conversas escutadas. pode ser até um programa de rádio, três minutos por dia cheios de clarividência - descobri agora... um psiquiatra e uma psicóloga nas respostas às perguntas comuns, através de mésicles helin, um dos dois melhores sonoplastas da tsf. o programa é Pensamento cruzado - "gestos, comportamentos, hábitos... Como nos vemos no dia a dia ou como deixamos de nos ver no tapete rolante dos dias... O que sentimos nos outros e como nos sentem..." lá aprendi que choro pode ser manipulação, pode, mas se os olhos são o espelho da alma, as lágrimas servem para lava-la. uma tristeza que flui não é necessariamente má, é tristeza a diluir. mas 'tristeza congelada' é depressão. e, last but not least, sim, precisamos sempre da capacidade de perceber o contexto em que estamos, não é uma bizarria... as pessoas precisam de coerência relacional, simples: é sintonizar a comunicação não verbal com a comunicação verbal. vão lá escutar-se...

agir

"Onde houver uma árvore para plantar, planta-a tu.
Onde houver um erro para emendar, emenda-o tu.
Onde houver um esforço de que todos fogem, fá-lo tu.
Sê tu aquele que afasta as pedras do caminho.
Sê aquele que afasta as pedras do caminho, o ódio dos corações, as dificuldades de um problema. "

"[Dai-me Senhor,] a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço."

- Gabriela Mistral



icebergue à deriva no sul

sábado

a indulgência

folhei um livro que falava de cores. algures surgia a preguiça. e depois "a indulgência do coração"... um pecado capital no nosso quotidiano, prepertado a toda a hora por aqueles/as que, frente à indigência humana, se guiam pela indulgência do coração.
uma minoria, onde me descobri militante a tempo inteiro. não é necessariamente uma qualidade.




We Are The People

Empire of the Sun | Vídeos de Música do MySpace

sexta-feira

φάντασμα*

100% imprevisível. um terramoto é sempre unilateral. a derrocada é geral. não há maneira de segurar a destruição. são segundos eternos que persistem pela lembrança das testemunhas. no meio do caos que se instala há salteadores, solidária gente, indigentes e sobreviventes. e a aparência imaterial de uma figura humana, vulgo fantasma*.


quinta-feira

quando o telefone toca

quando o telefone toca era um programa de rádio de discos pedidos da minha infância. anos mais tarde, conheci como se fazia o mesmo programa de rádio, ...porque trabalhava na estação.
'quando o telefone toca' preencheu o vazio de muitas casas no tempo em que não havia televisão e a noite, na província, limitava o lazer fora de portas. os discos eram pedidos pelos ouvintes a partir de telefones fixos, do café, de vizinhos, do próprio. os pedidos eram invariavelmente para o 'nacional-cançonetismo' e, mais tarde, para a música popular portuguesa, essa noção abrangente de um certo perfil musical. ignoro se ainda existe 'quando o telefone toca'. mas sei que quando ele não toca, as escolhas são realmente múltiplas. e absolutamente livres.

quarta-feira

estados vegetativos

os estados vegetativos têm grandes vantagens. reduzem ao essencial as necessidades e, quando não apagam por completo os neurónios, dão uma clarividência única.
a g. e a h. desempenham com galhardia uma missão terapêutica e fazem-no gratuita e afectuosamente. sobretudo a h., que eu não via há vários anos - ela também hibernara - assumiu aquela personagem que eu nunca conheci, mas pratico todos os dias. a minha gratidão é incomensurável, porque nada do que recebo era suposto.
os estados vegetativos têm outras grandes vantagens: separam o trigo do joio nas relações sociais. a s. faz-me a surpresa de me pôr a participar em coisas que não estariam no horizonte. e, quando percebe, surpreende-me ao jantar e dou-lhe troco ao almoço.
a vida é feita destes equilíbrios. e também de outros figurinos: as ausências de contacto por inexplicáveis motivos, que duram anos. mas eis que subitamente, esse alguém liga-nos, apenas e tão só, porque precisa de um favor pessoal-profissional [deve ser por isso que se diz que a vingança, mesmo moral, é um prato que se serve frio].
há ainda quem não mire o/a outr@ com olhos de ver, nem active ouvidos, continuando a despejar pequenos ou grandes dramas pessoais. sou boa em coaching - dizem. tenho o hábito de accionar os dois olhos e os dois ouvidos, e deixar para o fim a boca. esse fado persegue-me, apesar do meu humor convexo, e dou comigo a terapeutizar quando o divã devia ser meu.
há ainda as figuras folclóricas que só querem checar estados de alma, como se o facebook fosse um café com esplanada num dia de sol.
finalmente, há as amizades que duram e se resguardam, à espera que passem os ventos adversos, ou que a personagem vegetal seja por eles levada.
estes tempos são um barómetro excelente das relações humanas e uma prova de fogo do carácter das pessoas.

terça-feira

ela,她,elle, هي, she,היא, ella, वह, она

ela diz: limpa as lágrimas, levam tudo; para a frente é que é o caminho. coragem e saúde é o que é preciso.
ela é quem mais me preocupa. ela é hoje o que era suposto não ser, e ainda assim, não podia ser melhor. amo-a tanto que temo que quebre a cada precalço meu. e ela mantém-se segura e sábia, solícita sempre. não vivo a vida dela e há algum azedume que não queria de todo experienciar. mas entendo-a. talvez não me tenha legado nenhum, e bem que me faz falta.
acudiu-me quando precisei e salvou-me num reflexo [que só elas têm] quando podia ter-me ido. já lá vão uns anos e nunca me esquecerei do desespero que lhe li então na carne. e foi o pavor, que só acontece quando se pressente a morte ou uma tragédia maior, que então me resgatou in extremis.
haverá mais coisas que tenho para lhe agradecer, nunca explicitamente, não com palavras, sequer com gestos - sempre parcos. o que mais posso dar-lhe é atenção e respeito, e uma sanidade que procuro exaustivamente. ela não precisa de ralações. ela é de paz, mesmo quando esbraveia.
um dia ela vai faltar-me, a menos que eu falte primeiro. seria uma dor de alívio para mim. um desgosto mortal para ela. e nesta hesitação, sobrevivemos.

segunda-feira

saudade cifrada

sempre fui dada a datas. o meu subconsciente lembra-me, impreciso, as datas, os aniversários e as efemérides que marcam o passado. do futuro, eu não sei nada.
desse nível das sensações que não controlo veio-me uma inquietude grave, nos últimos dias. dormi, mal e muito, sobre o assunto. faz todo o sentido, mas nem isso reduz a tristeza ou aplaca a dor. tenho saudades dos tempos em que fui feliz, contigo. foram-se esses momentos e eu fiquei sem saber porquê - abrupta e inesperada que foi, para mim, a ruptura. sei que o tempo, quando deixo que ele escorra pelos dias, me leva à paz com aqueles/as que amei. isso vai acontecer também connosco. até lá, queria sinceramente resolver o pendente e só peço que dês esse passo para fechar a porta. não volto a importunar-te, resolvidos os números. quero tempo para esquecer que fui feliz. preciso mesmo esquecer. faz-te esse pequeno favor para não seres mais incomodada. o amor persiste [ou será outra coisa?]
só o abandono de tudo pode libertar-me do desalento. obrigada.

domingo

isto está pró repetitivo

em 2005, em 2006,... 2009: 2010...
começar o ano sem cumprir os rituais,... a ver no que dá - nem pular da cadeira, nem engolir doze passas, muito menos bebericar champanhe ou, sequer, formular desejos.
não inventar esperanças: esperar realidades.

sábado

nouvelle vague, autre fois




>"la prochaine fois que tu me vois, ignore moi, ignore-moi..." (*)
my name - mélanie pain (ex-vocalista dos nouvelle vague)
seguido do diálogo "i want a fuck to remember' a lisbonne"



(*)Fait comme s'il n'y avait jamais rien eu entre nous deux et continue ta route,
oubli moi désormais,
Fait comme s'il ne c'était jamais rien passé et accorde un laisser passé à cette pauvre idiote qui t'aimer.

Refrain :

La prochaine fois que tu me vois,
ignore moi, ignore moi

Fait comme si tu me connaissais pas
Fait comme si j'existais pas de grâce ne me laisse aucun espoir.
Fait comme si tu m'avais jamais vu
Fait comme si je n'existais plus, je préfère l'enfer au purgatoire.

Refrain :

La prochaine fois que tu me vois,
ignore moi, ignore moi
Fait comme si j'étais une étrangère,
A l'avenir je te suggère chéri, ceci ignore moi,

Refrain :

La prochaine fois que tu me vois,
Ignore moi, ignore moi
Fait sa pour moi la prochaine fois que tu me vois,
Ignore moi, ignore moi.

quarta-feira

"nosotras, las mujeres son más duras de matar"

michele bachelet, a presidente da república do chile, proferiu em lisboa uma conferência* para mulheres (e homens) por iniciativa da umar.
bachelet é uma das poucas chefes de estado e chegou a presidente sendo de esquerda, feminista, mãe solteira, ex-exilada, pediatra reconhecida, e muitas outras coisas. é um emblema das mulheres que fazem a diferença na sociedade, quando participam, quando lideram.
vai sair de cena em 2010 porque não é possível, no sistema político do chile, recandidatar-se. aproveitará para compensar a família (os filhos) pelos mais de dez anos de serviço à causa pública - pode ser que possa dar mais conferências e escrever memórias... o testemunho que deu perante uma plateia heterógenea nas ideologias, plural nos activismos e diversificada do ponto de vista etário é impossível de resumir. michele é também uma mulher sedutora que exala empatia, entusiasmo e informalidade.


bachelet enunciou dados que mostram que mulheres em cargos de gestão em empresas produzem nestas melhores resultados de rentabilidade. identificou nelas algumas características: são mais prudentes, planificam bem, tomam mais opções de longo prazo, medem melhor os riscos e preocupam-se em constituir reservas.

bachelet não dissertou no vazio como fazem as nossas políticas profissionais quando chamadas a falar de igualdade de género. contou o que fez em concreto no chile, as medidas que impôs, as mudanças lentas que se operam e que, assegura, não voltam atrás - nem na lei, nem sobretudo nos valores e nas mentalidades.
alargou o ensino obrigatório de 12 anos para 14, criando dois anos de pré-escolar; assim, os miúdos são acompanhados mais cedo, as mães estão mais disponíveis para trabalhar - no chile, 1/3 dos 'chefes de família' são mulheres...
as mulheres também vivem mais. mas o sistema patriarcal, o machismo, as várias desigualdades deixavam as mulheres desprotegidas na velhice. bachelet instituiu a 'pensão básica solidária' para donas-de-casa e bónus por cada filho, parido ou adoptado. e, para minorar o drama da maternidade adolescente, generalizou a educação sexual nas escolas e o acesso à pílula do dia seguinte.
percebeu também que o trabalho doméstico impedia muito as mulheres de continuarem a estudar ou a participar civicamente, porque não podiam estar disponíveis a desoras: criou um código na administração pública, que as empresas também adoptaram, e que alterou essas condições (nomeadamente, depois de certa hora não há reuniões).
o chile tem hoje 25 casas de acolhimento e 68 centros de acolhimento para mulheres (em breve, uma centena) - esta foi parte da resposta à violência doméstica e ao desamparo das mulheres.
na política, michele bachelet lamenta a fraca participação feminina, mas não impôs quotas - implementou-as ela mesma. se metade da população são mulheres, num gabinete de 20 membros há dez ministros e dez ministras, e o mesmo fez replicar em secretarias de estado e por aí fora. infelizmente, diz, no senado e na câmara de deputados uma ridícula minoria de mulheres é candidata e consegue ser eleita. para bachelet é simples:"alguém imagina uma selecção nacional de futebol com metade dos jogadores em campo? não é possível, nunca sairia vencedora. e assim é com a sociedade, quando rejeita metade das pessoas."

depois de ter começado a conferência com uma mensagem sobre a necessidade de ser-se optimista, bachelet sublinhou que é essencial para as mulheres terem visibilidade. "as mulheres são talentosas e têm de ser visíveis" - ela própria explicou que foi um anterior presidente que a tornou visível, primeiro como ministra da saúde, depois como ministra da defesa. e foi nesta qualidade que um dia ela viu um cartaz, num encontro com mulheres de armas, nos eua. dizia: "nós, mulheres podemos tudo, mas não tudo ao mesmo tempo".
não há, pois, supermulheres. mas é decisivo, diz bachelet, não se render nunca à adversidade e procurar o apoio da comunidade e de outras mulheres.


*Conferência "Género e participação política: a experiência do Chile"- F.C. Gulbenkian

os olhos

diz-se que os olhos são o espelho da alma. dizem que brilham, aguados, os meus.
a miúda virou-se para a mãe e perguntou-lhe porque tinha os olhos assim...?ela ficou na dúvida e pôs a mão na testa. não havia sinal de febre, nem lágrimas ameaçando, só o olhar do costume.
perguntou à amiga se os olhos estavam mais brilhantes que o habitual. S. disse que não, iguais a sempre, brilhantes sim.

os olhos são o espelho da alma. e, se bem que, às vezes, os olhos se escondam, terem ou não brilho depende da natureza do ser. as almas translúcidas, os corações sinceros, os corpos disponíveis, as pessoas solidárias, os seres de compaixão, têm olhos que brilham. podem ser verdes, azuis, amêndoa, castanhos, pretos. os olhos espelham as luas cheias e o íntimo de quem os veste. os olhos só mentem na medida em que se escondem. na proporção do abismo que criam entre o que fazemos e o que pensamos fazer. entre o que sentimos e pensamos, e o que agimos. só a descompensação da coerência torna os olhos opacos. os olhos não mentem. quando muito omitem. mas quem perde é o mentiroso. os olhos nunca vão conseguir omitir a verdade da alma. por mais lentes que se usem ou armações que se mudem, os olhos vigiam-nos por dentro e inelutavelmente conhecem o destino, antes da partida.na fuga do olhar presente-se apenas desorientação.
pelos olhos dos outros vejo: há tudo o que as palavras não mostram ou os gestos não dizem.

queria perder-me nos teus olhos, como outrora.