e então, pensar maduramente que há coisas a decidir de uma vez por todas:
não esperes de outros o reverso do que fazes; não declares o profundo sentir, nem expresses as emoções em roda-livre; não descures o teu eu, e só o teu, eu, só; não antecipes as certezas amargas, mas não faças concessões para que tas oferendem; não fales, não fales, não fales; não opines, não azucrines, não respondas; não há ninguém ao teu lado, só (no) passado; o futuro é um caldinho de expetativas, não esperes, não conjetures, não desejes; não há presente mais que perfeito, nem imperfeito, nem composto; os tempos verbais não mudam na língua portuguesa; podes comprar um dicionário de verbos, e folhea-lo todo, mas não te percas com os reflexos...concentra-te no presente indicativo e descansa por vezes com o gerúndio, ...gozando.
determina as tuas regras, para ti e para o teu viver social; nada vive - parece - sem contrapartidas, nem a amizade, porventura nem o amor, e já nem tens idade para te apaixonares. se um dia te ocorre que no dolce fare niente e no calor do afago encontraste a tranquilidade destes tempos, desengana-te: tens aí um problema, porque sem controvérsia não há - parece - enamoramento, afeição, o que for.
termina ainda o que não consegues concluir, suportar, gerir, e isola-te com os seres que não te interpelam senão para uma lambidela. destila a dor e o desgosto em água quase tudo e cloreto de sódio, mas fá-lo a solo, não vás criar uma poça onde te afundes.
a uma dor que sintas na mão, no braço, no peito, na cabeça, lembra-te que há dores maiores que não doem em lugar nenhum e estão sempre presentes: aquela que vem da ausência permanente e definitiva de alguém que amas, ou aquela outra que advém da doença matreira e persistente que te corroi sem perdão; e há as dores da desatenção, da falta de trabalho, do desencontro constante, da desorientação pessoal, da rotina. mas muitos sobrevivem com estas e uns poucos traçam-lhe um fim 'egoista'. ora a escolha, em última análise, será tua.
por fim, cuida-te, cuida-te de fora, cuida-te para dentro, cuida-te na bolha de segurança com outros seres, cuida-te contendo a franqueza, segurando a vertigem, respirando fundo: bebe o sol quando ele aparecer, e controi reservas de sorrisos malandros, para ti, sozinha.
AS MULHERES TÊM TODAS UM PONTO DO CORPO, UM RECANTO DA CIDADE, UMA HORA DO DIA, QUE SÃO NELAS COMO QUE UMA PORTA SECRETA, PELA QUAL PODEM SAIR DE SI PRÓPRIAS, DA SUA TIMIDEZ, E PENETRAR EM TODA A ESPÉCIE DE LOUCURAS, GRAVES OU VENIAIS.[Erik Orsenna]
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