segunda-feira

amig@s

às tantas, damos por nós a reescrever-nos.
há mais de dois anos, não tinham corrido as águas turvas dos últimos tempos, eu já intuia, afinal, o que vale a amizade.
aqui

domingo

revoltas optimistas

a revolta é o mosto da tristeza.
as uvas têm de ficar alegres quando chegam ao lagar...
dizem que é pelo mosto que ganham vida e criam vinho.
tal como uma tristeza a fermentar gera revolta.
apesar de ser um termo assustador, a revolta é um bálsamo para a tristeza. nem sempre, é certo. a gente põe a tristeza a alcoolizar-se e flui a revolta.
as melhores uvas devem comer-se em ocasiões excepcionais, bago a bago - para morder a experiência e saborear o resultado.
e, depois, que se faz ao engaço? na vitivinicultura pode ainda dar boa aguardente. na fervura da emoções tristes, sobram restos de incongruências, retalhos de contas mal feitas, presentes passados, e um mal-estar dilatado pelo tempo. não há hipótese de boa aguardente. das melhores uvas surge, tão só,um barca velha, até um duas quintas, mas nada sobra para bagaço que ilumine uma candeia.

a revolta é uma labareda que pega fogo à alma do ser desalentado. quanto mais sofrida é a tristeza, mas se incendeia a revolta. enquanto arde, não pára para ganhar o fôlego do discernimento, nem compaixão pelo alheio.
até que vai repousar a combustão da alma longe das amizades dissimuladas.

a revolta produz um ingrediente que nos tolda o físico e nos enobrece o coração. toda a genuína revolta será perdoada, como todo o excesso será amnistiado.
triturada pela revolta, a tristeza torna-se um acto sedutor, mistura de ternura arrefecida e carinho recatado.

se há gente demais revoltada, não quer dizer que seja gente com revolta a mais. é mesmo com revolta a menos, porque uma coisa é o discurso e outra, bem diferente, a prática. dos discursos já sabemos o rumo: só três ou quatro mudaram alguma coisa nos últimos cem anos. uma acção pequenina muda sempre qualquer coisa em qualquer lado, todos os dias.

a falsa revolta cria vítimas imbecis e julgamentos na praça pública. vive de juizos apressados. não reconhece o direito ao contraditório. a falsa revolta vive de estereótipos e de opiniões definitivas. cria gente amarga e prepotente, sozinha com a ilusão da popularidade. a falsa revolta é anti-científica: reza aos valores, cagada de medo que a sua intrínseca fragilidade caia na rua.
a falsa revolta devia configurar um caso de violência psicológica, com direito a estatuto de crime público. e, aí ,talvez fosse preciso meter psicólogos ou sacerdotes ao barulho, para avaliarem os danos emocionais da hipocrisia geral.
a apav deveria ser apave - porque é o emocional que espoleta a violência. e é aí, no baú das emoções, que a cura começa. em desigualdade, embora: porque , como bem sabem os especialistas, nem toda a gente tem emoções. é um distúrbio de personalidade, mas não é um mal socialmente grave. porquê?

sexta-feira

foda-se!

e pronto. fartei-me. puta que a pariu. como diz uma gaja minha amiga, cito: Se é para conversar conversa-se já, se é para resolver resolve-se já. O meu método de trabalho é este e transporto-o para a minha vida pessoal.
e agora, para mim, esgotou-se a paciência. é só uma questão de oportunidade, que eu arranjo-a - e não vais continuar a rir à minha conta. cada cêntimo chulado vai sair-te do pelo.
neste mundo cão, porque é que certas alminhas acham que estão a salvo?! puta que pariu. que me enrolem, que abusem do cinismo, que sejam oportunistas, que sub-existam na falsidade, ainda tolero... mas se me fodem o juizo, fujam da frente!
e há realmente quem ache que vive numa redoma de aço com uma conta por pagar. é que nem a demência infantilóide duma gaja retardada desculpa uma atitude dessas! puta que a pariu.
dívidas são para liquidar e, se não é de modo voluntário, então é doutra forma. não gosto que me 'comam' por parva e ainda fiquem no bem-bom, sem dizer água-vai. pois se me lixam a conta bancária, eu cobro. se me fodem o equilíbrio, não perdem por esperar troco.
'tadinha da mãe que não abortou uma largatixa como tu.


ps - é isso: internei a gaja zen que há em mim para soltar a fera... e buda perdoa porque compreende o sofrimento :)

domingo

final (20)

num país de gente tão disciplinada e chico-esperta, discutir a hipótese de referendar o casamento entre homossexuais é mais um caso de "esperteza saloia".
uma ampla maioria de eleitores votaram em partidos que tinham o fim da discriminação no casamento no seu programa. comprometeram-se a legislar no sentido de acabar com essa desigualdade que, aliás, contraria a constituição da república. claro que o código civil diz que o casamento é uma instituição entre pessoas de sexos diferentes. mas a constituição é a lei máxima e, se algo há a mudar, é o artigo do código.

que dois gays ou duas lésbicas se casem é assunto que só a eles e a elas diz respeito. não interfere com estranhos ou terceiras convicções, a não ser no sentido em que passam a ter de tratados com a mesma dignidade de casal, no que diz respeito a ter filhos, a heranças, a apoio familiar e até a dívidas. só por isto, casar não prejudica ninguém, apenas beneficia a sociedade.

que se crie uma lei que admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo mas se 'salvaguarde' o direito de gays e lésbicas adoptarem é uma bizarria. se casais heteronormativos podem adoptar, dentro de certas condições e burocracias, os homonormativos não podem, porquê?
inventar uma lei que reconhece dignidade do casamento mas exclui direitos é um contrasenso - e uma ilegalidade.
mais, o que acontecerá num casal gl em que há crianças e jovens que um ou os dois membros do casal já têm a seu cargo, porque filhos de anteriores relações, adoptados, nascidos por inseminação, etc.?
voltamos a ter dois tipos de filhos? os filhos legítimos e uma espécie de filhos, agora talvez filhos (anti) naturais?

como não está provado que casais gl tenham menos competência para o serem, também não está provado que sejam menos habilitados a serem pais ou mães. exercer o poder parental é essencialmente um acto de generosidade e grande responsabilidade. acresce que muitos casais gl têm poder de compra acima da média e condições socio-culturais vantajosas para educar e criar filhos. é essa a tendência lá fora, já que, cá dentro, não há dados...

por tudo isto, se um casal de gays ou de lésbicas decidir casar deve poder faze-lo com plenos direitos e deveres. o facto de optarem por casar, não melindra a dignidade do casamento de terceiros, seja civil ou religioso. não melindra uma sociedade onde não somos todos padronizados - graças a deus! pode ainda chocar algumas alminhas... sinal de que andavam a dormir.

posto isto, nunca fui fã de casamento mas também nunca fui contra. acho apenas que, quem quiser, casa. e ninguém tem nada a ver com isso. o assunto em voga não é para armar debates, é pura questão de bom senso.

sábado

final (19)

o segundo encontro durou metade do tempo do primeiro. falámos demais do 'assunto'. tenho de esperar, continuar 'paciente', mas não apetece. a questão agora, para mim, está no foro da justiça - algo de que, desde que me conheço, nunca abri mão.
o 'assunto' até parece arrumado. não sei da chave, agora que tenho recomendação para resolver e livrar-me disso. não tolero que alguém me diabolize e, como púdica meretriz, se vitimize prenha de maldade. se me atiram às cordas, vai haver KO

é grande a diferença entre distúrbio e doença, disse. entende-lo nada muda. porque não se trata de uma equação matemática, nem de negócio empresarial. é, só, uma despudorada ausência de decência.

no dia seguinte acordei à hora em que devia sair de casa. culpa da constipação fortíssima e do cansaço. uma hora é uma hora e o meu respeito pelo tempo mantém-se. cumpro horários.

diverti-me sim, S. sobretudo com os que as duas disseram. a C. tem uma maneira desarmante de expôr as coisas. claro que os blogues são maioritariamente anónimos - infelizmente, este não é tão anónimo como isso -, e bem que gostaria de pespegar aqui o vosso 'manifesto' desassombrado. aprendi boas histórias e apreendi pequenos egotismos. nada de estranho, pois. foi um dia cinzento sob arco-iris. o caminho é feito por quem dá passos. a imensa maioria é sempre e só espectadora. em tudo.

saí dos carris para o BA. a converseta driblou assuntos triviais. a rapariga do bar ofereceu-me uma cerveja.

o dia está, como dizem os meus patrícios, de 'morriña'. um estado que agrava a inacção. urge encher caixotes.

sexta-feira

final (18)

um dia, dou-me conta da repetição dos pensamentos: penso em ti quando acordo, penso em ti quando me deito. penso como fui infinitamente feliz. e aí páro de pensar ou, pelo menos, tento.não consigo deslindar o nó que se deu, quando se deu, como se deu. o porquê, raramente me interessa. precisava perceber como foi viver uma contradição permanente.depois, descansava desta tortura mental, anuladas que estão as sensações. 'não queiras perceber o que não te explicam' violentou-me sempre a natureza do ser. nunca me conformo.

é certo que ganhei outra consciência. mas isso são contas que não te conto. o mundo lá fora prega-nos partidas e um dia destes dei comigo no terraço de onde costumava falar-te a dar um murro no ar: yes! há telefonemas que nos despegam do fundo e nos fazem sentir desejadas como esquecera ser possível. pode ser uma coisa trivial, mas a vida é o que fazemos dela, a cada momento. e, sim, se for preciso correr riscos, voltarei a corre-los, bem medidos, bem arriscados, com proveito garantido.

continuo a não acreditar no euromilhões, mas acredito na pessoa que sou e disponho dela sem subterfúgios. não perdi a esperança de ter uma casa com lareira e vista para a foz, nem de fazer a viagem às maurícias. um passo atrás do outro, nas contas do presente. irei fazer a road trip que sempre sonhei mais cedo do que esperava... um dia destes, com uma pontinha de sorte, posso até ir viver para barcelona, nova iorque, who knows?
conjugo cidadania sem epifania e versejo cumplicidade com amizade.
sei que todos os caminhos bifurcam. não me encolho, escolho.

quinta-feira

final (17)

um destes dias dei com a notícia do site holandês de apoio ao suicídio. se tivesse capacidade para pensar nas motivações de quem o criou, tê-lo-ia feito. assim foi só a estranheza: alguém que vive preocupa-se em apoiar quem projecta suicidar-se... neste mundo, de facto, a realidade ultrapassa sempre a ficção.

a maneira mais prosaica de a gente se suicidar é andar por aí. uma aglomeração de gente faz maravilhas a quem esteja deprimido. acentua a tristeza e dá logo vontade de fugir, se entretanto não se desmaiar com a clautrofobia social. o cenário mais típico e mais procurado é, em portugal, um centro comercial agora decorado com apelos natalícios.

desde os nove, dez anos que não acredito no menino jesus, que era como chamavamos ao pai natal. por essa altura, duas existências marcaram o fim do natal: a morte do meu avô josé o nascimento da minha irmã. um e outro são, ainda hoje, mistérios encantatórios para mim. o natal é uma época de exageros e falsidades. passo bem sem eles. gasta-se o que não se tem para fazer vista, pensa-se nos tristes egoisticamente, no meio da ceia e bem-estar de que se goza. um dia, vou isolar-me, sem relógio nem bússola, num sítio ermo. alhear-me do mundo, só para ver se no regresso confirmo os piores prognósticos: não há emenda para a multidão insolente.

quarta-feira

final (16)

correr riscos. aventurar-me.
em miúda, trepava à árvores, subia pedregulhos, estampava-me de bicicleta, rachava os joelhos, andava à porrada pelo meu irmão e desmentia quem amesquinhava as aventuras do 'tigre da malásia'.
tom sawyer, h. finn, sandokan, os cavaleiros da távola redonda, e uma série de fábulas muito impróprias para crianças, encheram-me a imaginação. nunca apreciei 'o principezinho'. preferia a louca da 'alice no país das maravilhas'. depois vieram os russos e os franceses e, com a leitura, a escrita ganhou refinamento, o pensamento soltou-se pelas estepes, entre cossacos e samovares. envolvi-me no desatroso império romano, apaixonada pelos gladiadores.
a coisa sedimentou-se uns tempos por volta de 1917, e saltou depois para os anos trinta e a segunda guerra, com os partisans e a resistência de tito. chorei com o holocausto. diverti-me com o prec.

o risco atravessa-se-me à frente e vou no seu encalço. o medo, qualquer medo, é coisa de gente fraca. tenho medo de ter medo, mas passa-me logo.
peso cada decisão friamente e integralmente fora dos estribos. até uma égua sem albarda montei a galope naquele desfiladeiro beirão...
cair, nunca me assustou. o mundo não é para quem fica a lamentar-se como calimero incompreendido, quem se contenta com o horariozinho, do empregozinho e do salariozinho, uma liliputiana medida da indignidade.
vale a pena existir num faz-de-conta de afectos que nunca se entregam?
onde está o risco se nos escondemos da vida? como se sair da exposição nos apagasse da memória ou dispensasse o quotidiano deprimente...
enquanto estamos aqui levamos pancada e ripostamos, seja com o desdém, a indiferença ou a chapada. mais do que pão para a boca, há quem precise de acordar da infelicidade militante.

uma 'enorme gargalhada de desprezo', como dizia o cómico brasileiro, é só o primeiro passo. não me interessa o futuro. o segredo é 'correr' no presente.


terça-feira

final (15)

21 dias. tempo para reverter um vício. voltarei à dra. porque me faltam os químicos. espero os serviços mínimos de justiça.

a verdade é que não há certezas absolutas. só um mar de dúvidas, sombras que abafam a serotonina, muita lucidez, e uma clareza metódica e a prazo. não é o discurso mas a praxis do método, que produz resultados.
não entendo a falta de remorso, não aceito a falta de responsabilidade. quase tudo é perdoável se houver sentido de decência. coragem de mirar o espelho. colocarmo-nos no lugar do outro - gente de bem, que erra.

nunca gostei de centros comerciais. agora é praticamente impossível imergir num desses espaços, sem que um ataque de pânico me atinja escassos minutos depois de entrar. o peito sufoca, o calor transforma-se num suor avassalador, a cabeça despega-se, treme-se sem compaixão, a desorientação é exaustiva. para sair dali tenho de amparar-me a fim de não cair. só lá entro com razões funcionais. ali, outra vez, o velho método salva-me: gasto os cinco ou dez minutos estritamente necessários numa espiral de mal-estar para resolver uma situação específica.


já em pleno bairro, apinhado, sujo e barulhento, não perco o norte. conheço cada rua e cada bar sem perdição. as pessoas não me sufocam embora entupam as ruas. o meu lado judio sobrevém cada sexta-feira, em excessos que antecedem o dia santo. e tenho tanta tralha para arrumar, devia começar quanto antes...
o tempo não é elástico, é titanium.

segunda-feira

final (14)

a lucidez é uma arma de dois gumes. magoa para dentro, fere para fora.
a lucidez é essencialmente incorrecta.
a lucidez é uma senhora inconveniente, na maioria das situações.
a lucidez é imprópria para socializar, com ou sem diálogo.
a lucidez não tem diagnóstico, nem tratamento. é uma rara doença pessoal.
a lucidez é título de livro e milhão e meio de entradas no google.
a lucidez é o condimento mais impróprio para o sucesso da esperteza.
a lucidez não é polida, nem pode ser retocada. é a antítese da cirurgia estética, qualquer que ela seja.
a lucidez é um pau de dois bicos, que não verga mas quebra. e destroi certezas.
a lucidez é a postura dos duros e valentes.
a lucidez desarma.

domingo

final (13)

deus, magnânimo, está inconformado. supõe-se que possa padecer de uma depressão profunda, o que para alguém tão poderoso deve ser absurdamente aceitável.
deus isolou-se do mundo. é a profilaxia com que trata o problema. não se conforma com o descalabro a que a terra chegou. não entende como seguem rumo as suas gentes, criadas por ele, segundo a sua imagem, à sua semelhança.

era suposto serem boas pessoas, nem sempre alegres, porém humanamente decentes. mas nada disso acontece, desde há muito tempo. deus resigna-se a ser ignorado, ostracizado e vilipendiado.
deus gostou que tivessem descoberto água na lua. ele sabe que a água, tão desbaratada, é o bem mais precioso para os humanos.
deus descansa das tarefas que não pediu para ter: regular casamentos, nascimentos e mortes, pecado e absolvição, o perdão a torto e a direito.
deus, em suma, não aceita que falem em nome dele. e que jurem que o creem como se não houvesse agora.

sábado

final (12)

sim, já fui feliz.
não, não me lembro de ter medo.
sim, coragem não me falta.
não, não me arrependo de nada.
sim, desconheço o futuro.
não, não descortino o passado.
sim, é difícil o presente.
sim, posso ser egoísta.
sim, revolta-me a injustiça.
sim, não conheço limites.
não... é, demasiadas vezes, sofrimento.

sexta-feira

final (11)

perdi a conta ao que me preocupa: nada. não traço objectivos, tento manter-me atenta ao pequeno deslize: não esquecer tomar banho, colocar o leite no frigorífico, engolir os comprimidos, responder aos telefonemas que, nos últimos dias, começam pelas oito da manhã e acabam noite dentro - é trabalho, importa manter uma normalidade de competência.
a inacção não dura sempre. um dia, o sufoco acaba com um esgar único.
nenhuma crise é eterna, reinventa-se como a água que corre nos rios... e as margens que violentam o curso, antes que desague.
não me apetece falar com pessoas e passo o dia a fazer isso, profissionalmente.

pensei adoptar um animal (já me é 'autorizado') para garantir a macieza da carícia e o afecto sem cobrança. pedem cem euros que eu obviamente não tenho. estou para lá da conta-ordenado, mais a amortização necessária do empréstimo contraído na derrocada (em que me afoguei sob mãos azeiteiras).
ainda assim, atendo sempre amigos e a tríade que amo. posso não falar nada, pergunto, estou lá.

talvez seja a primeira sexta-feira sem as copinchas habituais. mas estarei a beber, no bar do costume. há a surpresa de um concerto para recordar e, talvez, cinema. se o sol não fugir volto à praia.
o mal-estar alastra. há uma constipação que espreita, uma série de exames médicos a marcar, o desalento - sempre. urge ultrapassar o tempo.

quinta-feira

final (10)

os erros acontecem. os acidentes também. os erros são acidentes evitáveis. os enganos não têm garantia, nem apólice. as palavras valem pouco. os actos validam tudo.

um dia, uma mulher caiu embriagada na linha quando o metro se aproximava. dois automobilistas mediram mal a ultrapassagem. um atleta deambulou pelos carris à espera do comboio.
a noite é propícia a ideias sombrias. o dia também. qualquer hora faz sentir tristeza e vazio numa aparência normal.
as máquinas falham. as pessoas fraquejam. os acidentes acontecem. a morte espreita em cada precalço. num instante distraímo-nos. por uma vez sem engano, mas com visto de passagem.

quarta-feira

final (9)

time to be insane. viver é uma tremenda responsabilidade. tarefa pesada, gente frágil. existir é um pouco mais ligeiro. dispensa uma série de sentimentos que são, afinal, o que fazem do humano aquilo que somos. há o racional, dizem. mas, se analisarmos bem, não há nada de racional ou razoável nesta vida. só uma degustação constante, que inclui pitéus venenosos em paisagens de cortar a respiração.

chegamos ao mundo entre choro e berros, para entrar num caminho sem destino. mais tarde temos de lutar pela logística da caminhada. o caminheiro sente-se, de quando em vez, acompanhado. mas nasceu só e morre só.
existir é completamente prosaico. viver pode ser sublime.

uma amiga diz-me que há um por cento de pessoas que valem a pena. ela tem um sorriso pregado na cara, a energia da escuta, um coração largo e cicatrizes que não exibe. deve saber do que fala.

terça-feira

final (8)

o que nos faz sentir 'alive'?
uma pessoa pode sentir-se viva na medida do que bebe.
viver a testar os limites, diz ela.
a verdade da japonesa Kazu Makino:


segunda-feira

final (7)

o vazio preenche tudo quando não há mais esperança numa redenção.
entra-se e sai-se dos sítios, como se nunca tivéssemos experienciado a vontade de situar-nos. falham-se os mais elementares segundos em que é proibido mentir. e todavia prossegue-se a errância. e assim dámo-nos em passos falsetes de convicções. como se não existissemos como pessoas. é-se actor num cenário de horror. e não estamos no palco. nem se trata de interpretar personagens. é a própria personagem que domina o sujeito. um faz-de-conta pusilânime de soberba. um veneno que se espalha na terra como se o grande alquimista se tivesse distraido no momento vital. não é viável falar 'amor': o que não existe, não é nomeável.

domingo

final (6)

eu queria ter um radar para a essência das pessoas. cheguei a pensar que era a intuição, essa coisa indefinível a que chamam sexto sentido. podia também ser o coração, quando nos diz, no íntimo, que é verdade o que vivemos. a plenitude. enganei-me algumas vezes, mas nunca com as consequências de agora. só consigo adivinhar o trivial das mundanidades: se a é mais infantil, se b é emocionalmente dependente, se c é desmesuradamente ambicioso, se d é imaturo ou apenas um indingente.


ela diz que nunca amara assim. respira essa certeza como as almas gémeas que se encontraram algures na américa do sul, no tempo da arte nova e do tango.

foi só a primeira das tangas, provavelmente. uma peça do puzzle da mentira montada e consumida. o que interessa mesmo é alguém orientar-se neste mundo, como as hienas numa batalha na selva. pode haver prazer e paz e até bondade excessiva, tranquilidade e bem-querer - são 'detalhes' que uma alma demente nunca saberá pesar - sobrevive com a infelicidade diária. pode-se descambar numa dor infinita, descabelar o mais equilibrado dos seres... a arquitecta do sofrimento não tem palavras que o expliquem. dá-se conta e omite, não se dá conta e mente. vive e nega e vive e nega, o que experimenta em razão, emoção, corpo e espírito. nesse ponto, alguém se pergunta: meu deus, porquê eu?!


é preciso ir além para encontrar a resposta.

sábado

final (5)

não foi preciso muito para chegar a este estado de fenação.
colhi uma doença quando a adolescência chegou. escapei da morte ou da tetraplegia. penei pela salvação anos a fio. cuidei-me, cultivei-me. sobrevivi à entrada no mundo dos crescidos. arranjei trabalho. uma família. dispensei a vidinha. despedi-me do emprego. procurei um pouco de felicidade. paguei um preço. era um livro aberto para os outros. conselhos, ajudas, apoios. finei-me em tanta empatia.


ontem "não faças asneira". hoje, "se pudesses escolher, o que farias?" crianças, respondi. trabalhava para elas, com elas. foram os tempos mais felizes: fazer pinturas, rasgar revistas, fazer artefactos com jornais, teatro, bonecos de trapo e jogos de rua. quando chegar ao guichet de são pedro, vou perguntar onde é o infantário. um sítio com gente de verdade.

sexta-feira

final (4)

a linha que separa a loucura e a sanidade é tão ténue que ninguém vê. inventaram-se os psiquiatras para a régua e esquadro da marcação da fronteira. a franquia entre a vida e a morte é mais evidente. não sabemos porque nascemos, sabemos sempre porque morremos. a vida não se escolhe. aceita-se, apenas. a morte, sim. ou porque nos portámos mal em vida, com excessos que danificaram a saúde, ou porque a idade fez o seu desgaste, ou porque decidimos. a verdade é que ninguém pergunta ao óvulo e ao parceiro se quer tornar-se gente. mistério de deus: a coincidência. uma subtileza do eco-sistema, nada mais.
ninguém nos pergunta se queremos ser gente. e muito menos nos ensina a ser humanos - aquele nível a seguir ao animal, dizem.
ninguém devia interrogar-se "porque se morre". mas envolvemo-nos sempre em dúvidas meta-existenciais sobre "porque se mata". é bem mais explicável que o ter-se nascido. vida ou morte são fronteiras que não exigem passaporte. apenas vontade e sorte. talvez um pouco de coragem, talvez um pouco de loucura. na verdade, isto anda tudo enrolado. só as cabecinhas tontas querem encontrar um sentido. que não existe. nem para viver, nem para morrer.

quinta-feira

final (3)

este é o país onde funcionários públicos cantam em hino uma versão we are the world - patética. dizem que entram e saem às 9h e às 12h30 e depois às 14h e às 17h30. trabalham muito e ganham pouco e nunca têm excelente! (ide ver ao youtube, e pasmai!). eu nunca trabalhei nesse horário e nunca cantei um hino ao funcionário.
este não é portugal, ditosa pátria, minha amada, mas o país onde o pessoal se "orienta" chulando o estado e o parceiro do lado. "dê lá um jeitinho", tão pequenino, oh faz favor!
teria emigrado há uns anos não fosse a obsessão outra. agora, já é tarde para chegar aos antípodas.

todos os dias faço uma hora de transportes para atravessar a cidade. cada passageiro leva a sua história numa mochila ou num telemóvel. alguns pensam, como eu, o que faço aqui? e ficam, pendurados no varão conspurcado de suores vários até à paragem que lhes convém. saio sempre umas quantas paragens antes do destino. não é possível aguentar tanto tempo num autocarro, de cara encharcada. às vezes, preciso de ir comprar pão ou tabaco. olho para a loja e desvio a minha tristeza da mirada indiscreta dos empregados. fica para outro dia.

cumpro os mínimos em casa, porque há encargos e um rol de tarefas que ninguém me 'orienta', como sempre.
desorientada embora, faz-se o que é preciso no imediato. e chora-se compulsivamente e muito, e não se quer falar nada com absolutamente ninguém. como se passasse uma certidão de óbito ao exterior. como se entre as sete e as oito, o mundo fosse acabar num poço sem fundo. ninguém se queixava. talvez tivesse forças para bater uma palma seca, e pedir bis.

quarta-feira

final (2)

um dia, vários dias, a cabeça tem vida fora do corpo. pensa, vagueia, esvazia-se, de modo próprio. é a autodeterminação da mente. estás doente. mas disfarças bem, se não acordas com olheiras do tamanho do vício de viver.
e quando vais dormir, a cabeça vive o que lhe apetece. dá estímulos que fazem o corpo agonizar. pegas nos barbitúricos, um, dois, três para ires ter com morfeu. mas passas-lhe ao largo. uma, duas, três horas e tu vigilante. cinco da manhã e despertas de supetão do sono que não dormiste. um vulcão de imagens e memórias fazem-te chorar, tremer, encolher, fugir.
percebo que a linha está perto do fim. lá, não há precipício algum, nem tormenta, nem emoção, abraços, nada. não há linha de água, não há redenção. quer-se um cadáver bonito, mirado pela curiosidade de estranhos. os próximos vigiam o remorso da perda. os teus amores não perdoam a saudade impingida. são os danos colaterais das partidas.
depois do fim da linha, há paz. não há anúncios sobre produtos contra a queda do cabelo, nem medicamentos para reforçar as defesas. não há doenças, nem contas para pagar, nem compromissos. é uma terra de ninguém, possivelmente no espaço sideral. não me esperam impostos, nem trabalho, nem amigos, nem quinquilharia. é marcar o fim da linha. egoísmo con sentido, se passaste anos a viver para os outros. fazes desse o teu estandarte de liberdade. e a última atitude de bondade, também.


p.s. - a grande vantagem dos blogs é permitirem calendarizar a publicação de posts ad infinitum...

terça-feira

final (1)

sempre soube que morro cedo. agora, nada importa. há duas semanas que era suposto começar a ficar melhor. nada disso. cada dia é mais penoso. o descontrolo imbecil das emoções, para lá do corpo e do intelecto. três horas de terapia, em vez de uma, não chegaram para o efeito. não sei se consigo esperar os três meses necessários para estabilizar. tenho muitas dúvidas de que seja um projecto viável. agora, não sei nada. a doutora esforçou-se. e eu tenho-me portado como é suposto: tomo os medicamentos, trabalho certinho, vegeto. é o que é. nada.
hoje comecei a fazer a minha banda sonora final. terá o "funeral" todo, e mais uma dúzia de canções da minha vida. sei que quero ser cremada. e quero uma bandeira arco-íris, mais o símbolo feminista - tarefa que alguém acautelará.
antes disso, se nenhum veículo me apanhar sonâmbula junto a uma passadeira com sinal vermelho, tenho mensagens a escrever: três pedidos de perdão, incomensuráveis, que nunca serão concedidos. sei que vão sofrer injustamente.
a vida é madrasta? pode ser. mas é mais qualquer coisa. deselegante, injusta, perversa, torpe, sem bondade, sem lisura, sem sentido.
a obsessão do sentido perde-me. e não há sol.

the fight song

segunda-feira

final

"Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece..."

clarice lispector

some things...

everything must change

domingo

antónio sérgio

não há muito a dizer. cruzamo-nos na rádio, anos a fio, a horas tardias. escutei-o, e à mulher, em programas fantásticos. é nesse ofício alguém verdadeiramente insubstítuível. um tipo de aspecto duro e muito cavalheiro, ternurento de um modo próprio, simpático para os companheiros, uma enciclopédia humana da música do futuro - sem concessões. quem gosta, aprendeu muito com o que ele divulgava.
aos 59 anos,
morreu o antónio sérgio, a voz do lobo.
rip, as always

f**cking song