quarta-feira

final (16)

correr riscos. aventurar-me.
em miúda, trepava à árvores, subia pedregulhos, estampava-me de bicicleta, rachava os joelhos, andava à porrada pelo meu irmão e desmentia quem amesquinhava as aventuras do 'tigre da malásia'.
tom sawyer, h. finn, sandokan, os cavaleiros da távola redonda, e uma série de fábulas muito impróprias para crianças, encheram-me a imaginação. nunca apreciei 'o principezinho'. preferia a louca da 'alice no país das maravilhas'. depois vieram os russos e os franceses e, com a leitura, a escrita ganhou refinamento, o pensamento soltou-se pelas estepes, entre cossacos e samovares. envolvi-me no desatroso império romano, apaixonada pelos gladiadores.
a coisa sedimentou-se uns tempos por volta de 1917, e saltou depois para os anos trinta e a segunda guerra, com os partisans e a resistência de tito. chorei com o holocausto. diverti-me com o prec.

o risco atravessa-se-me à frente e vou no seu encalço. o medo, qualquer medo, é coisa de gente fraca. tenho medo de ter medo, mas passa-me logo.
peso cada decisão friamente e integralmente fora dos estribos. até uma égua sem albarda montei a galope naquele desfiladeiro beirão...
cair, nunca me assustou. o mundo não é para quem fica a lamentar-se como calimero incompreendido, quem se contenta com o horariozinho, do empregozinho e do salariozinho, uma liliputiana medida da indignidade.
vale a pena existir num faz-de-conta de afectos que nunca se entregam?
onde está o risco se nos escondemos da vida? como se sair da exposição nos apagasse da memória ou dispensasse o quotidiano deprimente...
enquanto estamos aqui levamos pancada e ripostamos, seja com o desdém, a indiferença ou a chapada. mais do que pão para a boca, há quem precise de acordar da infelicidade militante.

uma 'enorme gargalhada de desprezo', como dizia o cómico brasileiro, é só o primeiro passo. não me interessa o futuro. o segredo é 'correr' no presente.


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