domingo

temo já não ter tempo para degustar a parte luminosa dos dias, 
o espaço surpreendente, 
a conversa livre, 
o aconchego do teu corpo,
a paz do ar e a simplicidade de todas as coisas. 
contigo.

sábado

é pelo menos a segunda vez que, às claras, sou tramada pelo povo de deus. expliquem-me como é que alguém, de uma escola católica tem imparcialidade para abordar uma temática lgbt? não tem.

a culpa estará sempre a sussurrar-lhe: é pecado. o anjo da guarda preserva os valores da igreja. é assim há séculos. há um espírito santo de orelha que tolhe a diversidade.
devia pois argumentar com objeção de consciência...

quando a vida vai longa, podemos olhar para trás e fazer balancetes.
encontro sempre as instituições e convenções sacrossantas a levar a melhor sobre os espíritos livre.
um espírito livre morre na praia sucessivamente até se afogar ou a maré baixa lhe dar algum fôlego.
deve ser a isso que chamam "não nascer com o rabo virado para a lua"
ps - respeito toda a gente e todas as crenças, mas sou ateia. é uma grande responsabilidade! não há maior pecado. e o que custa 'mais' é que não há guerras por causa dos ateus...

domingo


se um dia a morte me bater à porta - se? talvez quando... - não a farei esperar, nem desejo que se mostre hesitante quanto  à escolha desta passageira. nem todas as coisas têm de ter uma profunda e racional razão de escolha. imaginem se a morte avaliasse cada passageiro que conduz daqui para nenhures? imaginem-se os custos fixos desta empresa? o pessoal assalariado para fazer a triagem teria de ser um enorme exército muito bem treinado e célere nos resultados.
quando a morte me bater à porta, não quero mais tempo para nada - nem evocação de memórias, nem despedidas, nem heranças, nem despojos, nem últimos desejos. quero que seja ligeira e eficaz na recolha, para que nada cheire mal. e que seja piedosa na dor que afeta às afeições que me enchem a vida. que seja forte, como a vida.

terça-feira

quando te sentes exausta, primeiro, depois vazia de raciocínio, e logo de seguida exaurida e soterrada, resta desejar que as cerimónia de despedida seja muito benevolentemente evocativa das tutas qualidades humanas, as tais que te levaram à falência de ânimo. e que cantem a QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS ou JUST ANOTHER DAY. e é isso! somos todas boas pessoas, mas viver sempre também cansa (José Gomes Ferreira dixit, salvo erro...)

tolhidxs pela vergonha

as pessoas - de esquerda - estranham que a quatro dias do aniversário do 25 de abril de 74 não se fale dele. 
é uma data, e por mais simbólica que seja, também se encolhe de vergonha!
além disso, a coisa tem 41 anos. acontece o mesmo com a maioria dos/as trabalhadore/as: até aos 30 (e tal) anos não os/as levam a sério, depois dos 40 já são cotas.

segunda-feira


há na foto, destes tempos (desconheço autor@), dois punctum especialmente perturbantes:
os corpos inchados das pessoas do continente africano - homens e mulheres - que deram à costa. depois de sabe-se lá quantos golpes da vida...
os fatos laranja, em fundo, das equipas sanitárias que recolhem os defuntos, em tudo aparentemente iguais às das vítimas condenadas à morte pelo "estado islâmico" e executadas noutras praias. 
como se este ciclo de morte se perpetuasse... como se a única rede possível fosse a da morte.




a figura que caminha vai andrajosa. matuta nas virtudes do amor.
todos os dias há um jornal que glorifica o amor. pode ser um estudo, pode ser a entrevista de um especialista, pode ser um poema.
a figura que caminha leva o olhar no chão. tenta equilibrar-se na íngreme calçada à portuguesa.
e faz contas aos euros que não tem.
três idas ao centro de emprego e nenhum subsídio. as contas, essas, continuam a cair. a pessoa contribuinte está refem das empresas provedoras de serviços mínimos.
água, luz, net, seguro, habitação, e vá..., um ou outro pagamento a prestações.
as contas chegam impiedosamente à caixa postal.
a figura que caminha pensa no luxo que tem. nada
mais de quatro euros o maço de tabaco, não prescinde deste gozo que acelera o fim da vida.
a figura que caminha pensa no seu dia, atabalhoado, sobrevivente, desesperado.
a figura que caminha saiu de casa para piorar a gripe que lhe quebra resistências.
a figura que caminha queria estar alegre, soltar um sorriso, talvez gargalhar.

terça-feira

As Pessoas Sensíveis
Sophia de Mello Breyner Andresen

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
«Ganharás o pão com o suor do teu rosto»
Assim nos foi imposto
E não:
«Com o suor dos outros ganharás o pão»
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem

in Livro Sexto, 1962

quarta-feira

famelga, política, tarefa, tabaco, fetiche, gastronomia.
tão depressa gostamos, como deixamos de gostar.
é isso.

terça-feira

nasceu nos anos 60, mas foi nos oitenta que viveu mais feliz.  era livre. 
gostava de história e de jornais. planeou ser socióloga mas foi ter ao ofício da concisão e da celeridade. a escola de vida foi a telefonia. nada no tempo lhe é estranho.
e reportou carnavais, cemitérios, campanhas eleitorais. estudou comunicação, gestão e ensinou jornalismo, fez noticiários e crónicas na rádio, dossiês temáticos em revistas, reportagens, entrevistas e breves nos jornais, e até fez fretes nos anos spindoctor. tememos esqueletos em armários até que vendemos a alma ao diabo. 
faz transcrições, edições  e instigações. the new media is the blackmail media.
deambula entre bolos, tartes e pensamentos tolos, entremeando trabalhos académicos para dar consistência a si mesma como sobrevivente. 
tem uma família, filhos, algumas amizades e um contingente de conhecidos. muitos recuerdos. nenhuma crença. não volta nunca aos lugares onde foi feliz. 
há muita coisa que não sabe explicar. lamenta pouco, sentir quase nunca faz bem.
gostaria de  não ter perdido a intuição.
pensa que «anda (muito menos de) meio-mundo, a enganar outro meio». 
dorme tarde, sem sono, de consciência tranquila.  
é noctívaga, invernosa, solarenga. não sabe nada da vida. continua a gostar de histórias de pessoas,  
em algum momento descarrilou do futuro promissor. mas ainda pasma com um dia claro e harmonioso. e chora com narrativas de dilemas de gente.
reconcilia-se um pouquinho a olhar a lua cheia e no barulho do mar. 
talvez um dia consiga chegar ao tibete ou passear nas praias de goa. 

domingo

 Maria Maria Acha Kutscher juntou os movimentos ocuppy, 15M, feministas,...para uma galeria fantástica de retratos de mulheres revoltadas e irreverentes, dos nossos dias, no projeto As INDIGNADAS (imagem deste e de outros projetos da criadora):