ela nem tinha reparado nisso, mas metade da sua vida activa estava cumprida. o resto seria um extra esforçado e esticado prolongamento de sobrevivência, se não morresse cedo. quando encontrou esse caso, fazia mais um teste ao seu poder de sedução, um desmame do jejum sexual. havia uma incógnita, sim, mas feita de curiosidade, desejo e um pequeno fascínio intelectual. a prova do gosto surpreendeu e começava a prende-la. as pessoas podiam entender-se e respeitar-se e terem a sua vida calma e aprazível. podiam flirtar, e deliciar-se com coisas gostosas, e ter tempo para ter tempo partilhado. e podiam entender-se no intelecto e no leito. e podiam apreciar-se mesmo se a economia do país se deprecia. e nada parecia rimar com acidez ou segredo. que coisa mais estranha!
senhora de si, achou irreal essa compostura de amante amada. quanto mais me prendes, sem que me prendas, mais te mostro que não estou captiva. e foi então que soltou o gnomo feito da matéria comum dos seres que negam o bem do bom da vida. não há doenças, nem acidentes, nem pontos fracos, só uma inaudita busca pela frustração.
porque se é bom, tem de acabar, não é?
AS MULHERES TÊM TODAS UM PONTO DO CORPO, UM RECANTO DA CIDADE, UMA HORA DO DIA, QUE SÃO NELAS COMO QUE UMA PORTA SECRETA, PELA QUAL PODEM SAIR DE SI PRÓPRIAS, DA SUA TIMIDEZ, E PENETRAR EM TODA A ESPÉCIE DE LOUCURAS, GRAVES OU VENIAIS.[Erik Orsenna]
segunda-feira
domingo
o truque
se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí.
tenho a madrugada como companheira.
eu estou por aí...
fernanda takai canta isso. encanto-me com ela.
tenho a madrugada como companheira.
eu estou por aí...
fernanda takai canta isso. encanto-me com ela.
venezia
tem a fama de cidade para amantes ou apaixonados. mas a fama é sempre um rótulo sem substência. transpira história e turismo, tem água por todos os lados, italianos irritados com tantos turistas, gondoleiros mafiosos, concertos diários em igrejas em que tropeçamos a cada esquina. pontes e canais, praças e ruas sem nome, apenas enigmáticas designações: ponte do diabo, calle da senhora, rio terá del biri, pequena rota dos assassinos. um vago cheiro a mofo e um outro a esgoto quando anoitece. não há carros, muitos barcos. há alpendres pendurados sobre telhados de cinco pisos, roupa estendida, pequenos jardins, escassos metros quadrados pendurados numa felicidade de céu. vias estreitas que não deixam ver o sol, e uma luz superiormente incandescente que adormece saudades que não sentem lisboa, a cidade branca. peças de arte onde menos se espera, mercados de frutas em canoas grandes, nenhum sem abrigo, nenhum pedinte, óperas todas e obras em edifícos seiscentistas, onde vivem familias e cães e escritórios de advogados e ateliers de arquitetos. não há muitos empregados veramente venezianos, só os donos das cantinas e tratorias. uma subtil invasão da indochina abastece os locais de repasto com empregados pequenos, morenos, vagamente asiático, num italiano perfeito e uma displicência de serviço prestável e perfeitamente standard. paga-se 50 centimos para atravessar o grande canal em gondola, não se paga nada para andar nele, para trás e para a frente, num vaporeto que pára em todos os apeadeiros. tudo é perto de tudo e simultanemante vasto e distante, porque nenum mapa é explícito na localização da rua... contem 5394 em Canaregio, um dos vários bairros afreguesados, e estamos na casa de corto maltese...mas para lá chegar há que dar uma volta ao mundo. e na praça de roma, sempre dela, é o centro das partidas e chegadas para esse imenso puzle. veneza.
não se vêem amantíssimos namorados, nem casais celebrando bodas, só gente que deambula, ou espera nos clássicos locais do hall da cidade: o passo ducal, a basílica e a torre de são marcos. há demasiados americanos, e os asiáticos ricos em grupos disciplinados. há lojas com astesões dentro, a fazer peças únicas de couro, ou papiros quase fora de validade. uma italiana é mesmo curta, a melhor custou 90 centimos mas a regra é andar pelos dois euros, há gelados em cada esquina, baratos e bons; o esparguete é sempre al dente, o chianti é ácido, e o melhor tiramisu está lá. as máscaras carnavalescas são infinitas em variedade de materiais e rostos, há contrafação por subsaahrianos que fogem lá como cá ao vislumbre de policia e há venda ambulante de roupa made in italia. do aeroporto toma-se o autocarro cinco para a praça que é o interface de transportes. meia hora depois, lá mesmo, apanha-se o vaporeto com mais cento e tal pessoas para a ribeirinha san marco, não há muito para escolher, só duas linhas: 1 e 2, ou N se for entre a meia noite e as três ou mais da manhã. e o silêncio negro esconde todos os fantasmas do passado nos becos de uma cidade arrancada à idade média, ao renascimento, ao futuro, quem sabe...
não se vêem amantíssimos namorados, nem casais celebrando bodas, só gente que deambula, ou espera nos clássicos locais do hall da cidade: o passo ducal, a basílica e a torre de são marcos. há demasiados americanos, e os asiáticos ricos em grupos disciplinados. há lojas com astesões dentro, a fazer peças únicas de couro, ou papiros quase fora de validade. uma italiana é mesmo curta, a melhor custou 90 centimos mas a regra é andar pelos dois euros, há gelados em cada esquina, baratos e bons; o esparguete é sempre al dente, o chianti é ácido, e o melhor tiramisu está lá. as máscaras carnavalescas são infinitas em variedade de materiais e rostos, há contrafação por subsaahrianos que fogem lá como cá ao vislumbre de policia e há venda ambulante de roupa made in italia. do aeroporto toma-se o autocarro cinco para a praça que é o interface de transportes. meia hora depois, lá mesmo, apanha-se o vaporeto com mais cento e tal pessoas para a ribeirinha san marco, não há muito para escolher, só duas linhas: 1 e 2, ou N se for entre a meia noite e as três ou mais da manhã. e o silêncio negro esconde todos os fantasmas do passado nos becos de uma cidade arrancada à idade média, ao renascimento, ao futuro, quem sabe...
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