estou no posto de saúde, na polícia, dentro e fora de grades,
estou na escola, no restaurante, na arcada da praça,
estou no escritório, a limpar o pó de madrugada, a fazer relatórios fora de horas,
estou na estrada, em transito de autocarro, em viagem acelerada, à procura de nada,
estou no palco, à espera do público, sem subsídio, desejando que me amem,
estou no hospital, a abrir corações, a dissecar passados, a segurar a morte,
estou no alpendre, a saborear o vento quente, a escutar a chuva, a desejar o horizonte,
estou no cais, à chegada, à partida, como carga, sem mais
AS MULHERES TÊM TODAS UM PONTO DO CORPO, UM RECANTO DA CIDADE, UMA HORA DO DIA, QUE SÃO NELAS COMO QUE UMA PORTA SECRETA, PELA QUAL PODEM SAIR DE SI PRÓPRIAS, DA SUA TIMIDEZ, E PENETRAR EM TODA A ESPÉCIE DE LOUCURAS, GRAVES OU VENIAIS.[Erik Orsenna]
sábado
quarta-feira
um dia descubro que tudo faz um sentido desajustado. não é preciso ter sonhos, nem carreira, nem objetivos de vida - sim, nunca os tive. um dia acordas de uma noite que não dormiste e perguntas-te se vale a pena arrastar uma parceria por umas migalhas de afeto, sabendo embora a resposta de antemão.
um dia, seguras com força as lágrimas e tentas focar-te nas coisas práticas e reais: escrevinhas listas de tarefas e pendentes para dar vazão nos próximos dias, reflexionas sobre estratégias de fuga da confusão em que se tornou a vida doméstica e a outra, e projetas adelante da vida quotidiana.
mudar de casa, mudar de gastos, mudar de hábitos, mudar de cidade, vender tecnologia, doar livros, arranjar destino para a roupa. não gastar mais que uma semana na partição dos bens, receber colo, receber abraços, e chorar até que tudo passe e a tendência para a autocensura se dilua no pragmatismo das soluções.
por último, deixar os auto-juizos a marinar num baú perdido, na convicção de que como habitualmente, por melhor intencionada que esteja, nunca terei tempo de arrumar as minhas tralhas todas, antes de partir...
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