terça-feira

a rapariga das tranças ajoelhou-se, de mansinho.
lá atrás, pela perdição das almas, desencarrilou.
nada do que diz, toque ou faça, a traz de volta.

os olhos estão cansados e o coração doente.
algures no tempo, o trilho enfureceu-se com o caminhante.
o pião está sem baraço-abraço no labirinto.
por muito que soe a chuva, a inundação afoga a mente.

sábado

a cena é:
esqueces onde deixaste o carro? está na hora de te desfazeres dele
sofres muito quando pagas um maço de tabaco? tens de procurar rapidamente alternativa
colocas a manteiga no armário do açucar? há certamente uma desregulação territorial doméstica
sobra-te demasiado mês depois do salário em conta a zeros? é tempo de te alheares do dinheiro
não te lembras de conseguir desligar a cabeça, ao fim de um dia? tens um problema sério!
quando é difícil manteres-te acima da linha de água, a mente vagueia até ao passado.
tiras de lá frases definitivas sobre o amor.
desistes dele quando percebes que a outra pessoa não te acudirá na medida do que farias por ela.
o amor encerra-se aí, nessa cortina opaca que não te deixa ver o futuro mais imediato.
podes não vislumbrar nada de positivo, mas precisas sempre de uma réstia de esperança.
apesar de teres sempre o sol lá fora e o mar a uns quilómetros, há uma necessidade intrínseca.
sobreviver ao dia - e à noite - pode tornar-se penosamente pouco salubre.
e, no entanto, tens sempre o tempo a fluir. agarra-te ao presente.

(da série: memórias que queimam)

quarta-feira

a menina pequenina, na sua grande falta de mundo, encontrou uma menina grandita que tinha o mundo todo no seu ego. que bom!as meninas peritas em lapsos de bastidor, quando fazem acrobacias em bichos-de-pé, parecem um bicho-da-seda a tecer uma serapilheira.
empalham dichotes como se fossem profundos pensamentos, após pensarem em conjunto, num suposto convívio de neurónios saltitantes. é toda uma cultura por explorar, a dos sub-trinta-engagés.
juntas, as meninas fariam novos jogos florais: um clube de meninas que gostam de pensar em conjunto. e dizer coisas. e refletir. verborrear - arrear o verbo, por outras palavras. 
quanto mais verborreia menos se realiza.

segunda-feira

aprende-se muito com as pessoas. com todas. com a má-fé nos atos e a candura das intenções. aprende-se com o que falam, com o que fazem, como se movimentam.
aprende-se sobretudo com a incongruência das narrativas, dos desempenhos.
aprende-se com as palavras-chave dos discursos - coletivo, partilha, humildade, mudança, solidariedade,... aprende-se com as manifestações de um ego ululante e a insidiosa petulância . aprende-se com o não-dito.
a ética é hoje uma equação francamente falível.

terça-feira

o sonho de Wadjda, num mundo estranho:

sábado

¿Te das cuenta Benjamín? El tipo puede cambiar de todo: de cara, de casa, de famila, de novia, de religión, de Dios... pero hay una cosa que no puede cambiar, Benjamín... no puede cambiar... de pasión.

dizem que é a melhor cena de O segredo de teus olhos,  filme argentino.


mas quanto tempo dura uma paixão? o instante de um bater de pálpebras? uma noite mal dormida?seis meses de folia? dois anos de descoberta? 20 anos de convivência? 50 anos de resistência? umas horas de estupefação? uns momentos de maravilhamento? trinta dias de surpresa? sem dias de inebriamento? ou só a mudança de lua?
a paixão dura para sempre, enquanto dura o ser que a transporta.
dura o tempo em que recordamos o estalar da paixão.
dura o que nenhum contratempo da vida derrota.
dura os minutos em que o gato saltita entre os pingos da chuva.
dura enquanto conseguimos rir-nos muito e não esquecemos de como isso é importante.
dura enquanto fazemos o deve e haver e a recordação do instante aquece a alma.