O armário é um sítio amplo e devidamente naftalizado para que não entrem bichos. Todas as peças se arrumam devidamente num armário confortável. O grande inconveniente dos armários são as portas. De vez em quando, abrem-se! Entra uma brisa de ar fresco, sente-se um fôlego de liberdade. Cá fora, o oxigénio é mais respirável embora propício a focos de infecção. O habitante do armário, experimentando o ar público, teme represálias bacterianas. Mune-se de coragem para se fazer ao mundo; ou volta para dentro enquanto a porta está entreaberta.
Lá dentro, mais cedo do que tarde, sucumbe à assepsia dos armários, quando não à tristeza do isolamento.
Dentro dos armários, fica-se tendencialmente quadrado, como os paralelipípedos que se pisam na rua, o espaço público de todas as identidades. Fora do armário, há correntes de ar, chuvas e coriscos, poeiras e malvadezas várias. Mas também há sol, mar e boa gente. Não é o lusco-fusco dos armários bafientos, mas a vida a cores em todas as dimensões.
Moral da história:
Ninguém é inteiro, enquanto esconde ou contradiz uma parte de si mesm@.
Ninguém consegue iludir-se o tempo todo.
Ninguém é feliz escondendo-se.
Ninguém é feliz sozinho.
Ninguém pode fazer por outrem, aquilo que esse outro recusa.
E se, quem pode, não quer mudar, nada adianta escudar-se em terceiros.
3 comentários:
Bom texto, subscrevo e tens dias que o cheiro a mofo, é mesmo sufocante!
BJ
O armário tem muito que se lhe diga. E tu dizes muito.
Existe quem viva no armário, quem viva fora do armário e quem viva dentro e fora do armário.
A mim pessoalmente a terceira hipótese parece-me a mais razoável tendo em conta o mundo onde vivemos. É suficiente para não se estar sozinho/a e suficiente para nos protegermos de algumas "bactérias" potencialmente mortíferas.
É por isso que me parece importante dar força a quem queira sair do armário não o/a forçando a sair. Só essa pessoa conhece o tipo de bactérias a que estaria sujeito/a fora do armário, só essa pessoa sabe a resistência que lhes tem ou não.
De resto, acho que percebo a ideia, mas não concordo com o "ninguém" das últimas frases deste post. Acho que poderão descrever a realidade individual de algumas pessoas, mas estão longe de descrever uma realidade universal implícita a "ninguém" (ninguém = todos+não).
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