quarta-feira

T 2009 T

não é auto-comiseração, não. é uma dor funda no peito.
sente-se amputada. é como se o membro ausente fizesse um vazio grande.
todos os dias dorme muito, menos do que o necessário. e tem pesadelos, de contornos nítidos. todos a fazê-la acordar num sufoco: o que significam? um tecto que se infiltra e a submerge. um naufrágio na costa de uma ilha escarpada; roubo de haveres que não tem. pessoas, muitas pessoas a dar ordens.a deambulação sob o temporal, por ruas que não conhece. uma casa em ruínas e tudo escuro. trapos que cobrem um corpo seu estranho. ela nunca se perde nas histórias dos pesadelos nocturnos, mas tenta em vão respirar um mínimo, apesar da corda à volta do pescoço.

e depois, o buraco no lado esquerdo - onde lhe falha tudo. um precipício agudo sem tamanho, um medo rasgado, o sofrimento parceiro.
depois acorda. e aí o pesadelo torna-se maior. a realidade é mais cinzenta. não há contemplações para a perda. foi amputada e não a avisaram de nada.
apercebe-se que teve uma parte amputada de sopetão. e nesse instante perdeu a única parte que prezava mais que tudo.
falha-lhe a única parcela de vida com gosto, o que era vontade e não consequência.
não interessa se perdeu o trabalho, se tem saúde, ou uma doença fatal.
é aquela perda, que não suporta. não entende o valor da falta que lhe faz dor.
limita-se a sobreviver ao pesadelo acordado por uma ausência insuperável.
queria dormir até não acordar mais, ou ser acordada por um toque na porta e a figura perdida, à procura de uma sobrevivente... alguém que dissesse que sim, foi só uma vaga de mau tempo, passou.
nada disso sucede. nada suprime a amputação esquerda. e tem a cicatriz no pulso dos dias em que a pele queimou.
tenta em vão apagar os vestígios digitais da perda. não consegue. fixa-se neles e aparvalha.
ela só queria acordar noutro corpo, no próximo ano. e deixar a alma perdida neste.

1 comentário:

Anónimo disse...

Faço votos para que em 2010 encontre o balsamo para esta ferida aberta...

Bj.